sexta-feira, 8 de março de 2013

Dia Internacional da Mulher

No dia 8 de março comemora-se o Dia das Nações Unidas para os Direitos das Mulheres e para a Paz Internacional.

A todas as mulheres, neste dia tão especial, dedico o poema "Calçada de Carriche" de António Gedeão.

 
Calçada de Carriche

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.

 
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.


                                                                               
                                                                António Gedeão, in “Teatro do Mundo”

                                                                          Poeta/Professor/Pedagogo/Investigador (1906 – 1997)

 
Felizmente, o tempo e a persistência de grandes mulheres trouxeram a Mudança.
Gradualmente, as mulheres conseguiram libertar-se das amarras que impediam a sua afirmação social e garantir o respeito pelos seus direitos enquanto seres humanos.

Contudo, é bom não esquecermos nunca que, apesar destas conquistas, em pleno séc. XXI, em vários cantos do mundo e até mesmo ao nosso lado, mulheres como esta "Luísa" continuam a ser uma Realidade Cruel, Desumana e (perdoem-me a redundância) Real...
É sobretudo às muitas "Luísas" anónimas do nosso país e do mundo que dedico este poema. Tratam-se de "grandes" mulheres com coragem para despertarem todos os dias para a mesma realidade ingrata. Esta “fraqueza” não impede que elas sejam umas “heroínas”, pois vivem o dia a dia a um ritmo alucinante e stressante; acordam e adormecem a pensar no bem estar dos que as rodeiam, esquecendo-se delas próprias e esquecendo-se do que é ser amada e acarinhada…
Estas mulheres precisam que a sociedade, as instituições que existem para as proteger, os nossos políticos, os seus amigos, os seus familiares, os seus filhos lhes digam que elas são “Grandes”, mas que podem ser "Grandiosas" se compreenderem que são seres humanos, que têm o direito à sua liberdade, à sua dignidade, a serem respeitadas, a serem Felizes, a serem Mulheres...

A todas, mas sobretudo a estas Mulheres: Um Feliz Dia!

                                                                                                                               São Sousa

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