terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Um conto de fadas avariado

Edward Hopper, Morning Sun, 1952 


Quando foste embora eu não chorei,
não fiquei zangada, não gritei.
Fiquei apenas triste,
profundamente triste, mergulhada
numa emoção que não conhecia nem exteriorizei.

Para lá fiquei. Sentada
a um estado desgraçado, abraçada.
Parada no tempo e esmiuçando
detalhes de lembranças de promessas vãs,
que gravamos a seco no ar da madrugada.

E como tudo me parecia estagnado!
E de certa forma calmo e delicado.
Sem tempo, sem luz, sem som,
sem morte e sem validade
como um conto de fadas avariado.

Assim, se um dia voltares inesperadamente,
não esperes que te ame perdidamente,
porque a luxúria de amar já me passou,
o feitiço acabou,
e eu sou eu inteira, novamente.

Inês Silva


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013


O Computador

A menina Leonor
só quer o computador.
O boneco e a boneca
eram uma grande seca!
Deitou fora a bicicleta,
cansa muito ser atleta.
Não sai para qualquer lado,
nem para comprar gelado.
Anda da mesa para a cama,
só se veste de pijama.
Vê-se ao espelho de manhã
a olhar para o ecrã.
Já se esqueceu de falar.
Só sabe comunicar
com os dedos no teclado.
Tem agora um namorado
a menina Leonor
chamado computador.
É fiel, inteligente
não refila, nunca mente.
E quando ela se fartar,
pimba, basta desligar.

                                Luísa Ducla Soares (A cavalo no tempo)
 
A tecnologia veio facilitar (Muiiiiitto!...) a nossa vida quotidiana. São várias as tecnologias que nos permitem realizar inúmeras tarefas de forma simples, eficaz e a um custo aceitável, deixando-nos mais disponíveis para outras atividades lúdicas como a prática de desporto, o convívio com amigos e familiares, etc.
Mas…
…como tudo na vida, o equilíbrio é um fator essencial em todas as vertentes da atividade humana.
O poema de Luísa Ducla Soares alerta-nos para a dependência, a “escravidão” a que se submetem aqueles que, num determinado momento, por um determinado motivo ou simplesmente por nada, se tornam-se “reclusos” da tecnologia.
Não é preciso percorrer muitos quilómetros ou fazer um grande esforço para verificarmos que no nosso país tem aumentado o número de crianças que perderem o interesse “pela boneca e pelo boneco”; o número de adolescentes, jovens e adultos que não experimentam ou “desistiram” do prazer e do bem-estar físico e psicológico que as atividades físicas, lúdicas e de convivência nos proporcionam.
É pena que, inconscientemente (considero e acredito plenamente nessa inconsciência), haja quem decrete a sua própria “pena de prisão”, a sua condição de escravo…
Confesso que estes “novos escravos” deixam-me atónita e com uma certa melancolia, sobretudo quando penso que lutámos e continuamos a lutar, diariamente, pela nossa liberdade (uma das condições essenciais para a plena realização do ser humano).
 É provável que muitos já estejam a pensar que sou uma retrógrada, uma conservadora …
Nada disso!...
Sou uma grande adepta das novas tecnologias. Confesso que já sinto alguma (muita) dificuldade em viver sem elas…
…Mas, acima de tudo, sou adepta da liberdade, das relações humanizadas, do equilíbrio, do prazer de estar em contacto com a natureza, de... olhem! De tanta coisa com as quais cresci num tempo e lugar pouco dominado pela tecnologia e que me ajudaram a formar-me como ser humano, a conhecer o mundo e os outros e a viver de uma forma saudável e feliz…

                                                                                                                                                 São Sousa