Li
ou vi, já não me recordo quando nem onde, um documentário sobre tribos
indígenas. Em todas estas tribos as pessoas mais velhas eram consideradas as
mais sábias. Elas eram a energia e força inabalável que mantinha aquelas
sociedades vivas, vigorosas e unidas. A determinada altura, no seio de uma
dessas tribos, todas as pessoas idosas foram extintas, em virtude de circunstâncias
das quais já não me recordo. Facto é, que a partir daí, essa tribo conheceu o
caminho da (auto)destruição. Sem a orientação e experiência preciosas dos elementos
mais velhos, os pilares nos quais essa sociedade assentava, começaram a
desmoronar. Sentimentos como o respeito e a tolerância extinguiram-se, dando
lugar a conflitos e agressões violentas. Já não havia ninguém que servisse de
exemplo, de guia, de mestre e professor. A tribo extinguiu-se. Hoje
em dia fala-se imenso da perda de valores. Creio que esta situação poderá estar
intimamente ligada à falta de respeito e consideração que nutrimos pelos nossos
seniores. Não me parece que tenha sido em vão que a ONU tenha instituído o dia
1 de outubro como Dia Internacional do Idoso. Entristece-me, de certo modo, que
tenha de haver um dia que nos lembre que devemos proteger, valorizar e honrar os
idosos.
Portugal
é um dos países da UE com maior percentagem de idosos. Graças aos atuais cuidados
médicos e alimentares, às condições sanitárias e de habitação, a esperança
média de vida tem vindo a aumentar. É discutível, contudo, se essas melhorias são,
efetivamente, proporcionais a uma superior qualidade de vida, em termos de
dignidade, bem-estar, conforto emocional, familiar e social. Tranquiliza-nos
saber que há instituições, pessoas, fundos, medicamentos que cuidam daqueles
que se tornaram um fardo para nós. Não lhes falta nada, logo estão bem. Não
lhes faltará mesmo nada? Serão verdadeiramente felizes? Se é tão
aprazível, porque será que a luta contra a velhice parece ter tomado conta de
nós. Na verdade, envelhecer tornou-se sinónimo de fealdade, fragilidade,
senilidade. É algo que nos incomoda, que não queremos ver nem ser. O mito da
eterna juventude assombra e ensombra-nos. As
marcas da passagem dos anos não são sinónimo de decadência. Pelo contrário, são um hino à vida! Afinal, acabamos como começamos.
O mundo inteiro é um palco,
E todos os homens e mulheres são meros
atores:
Eles têm suas saídas e suas entradas;
E um homem cumpre em seu tempo muitos
papéis.
Seus atos se distribuem por sete idades. No
início a criança
Choraminga e regurgita nos braços da mãe.
E mais tarde o garoto se queixa com sua
mochila,
E seu rosto iluminado pela manhã,
arrastando-se como uma lesma
Sem vontade de ir à escola. E então o
apaixonado,
Suspirando como um forno, com uma balada
aflita,
Feita para os olhos da sua amada. Depois o
soldado,
Cheio de juramentos estranhos, com a barba
de um leopardo,
Zeloso de sua honra, rápido e súbito na
briga,
Buscando a bolha ilusória da reputação
Até mesmo na boca de um canhão. E então vem
a justiça,
Com uma grande barriga arredondada pelo
consumo de frangos gordos,
Com olhos severos e barba bem cortada,
Cheio de aforismos sábios e argumentos
modernos.
E assim ele cumpre seu papel. A sexta idade
o introduz
Na pobre situação de velho bobo de
chinelos,
Com óculos no nariz e a bolsa do lado,
Suas calças estreitas guardadas, o mundo
demasiado largo para elas,
Suas canelas encolhidas, e sua grande voz
masculina
Quebrando-se e voltando-se outra vez para
os sons agudos,
Os sopros e assobios da infância. A última
cena de todas,
Que termina sua estranha e acidentada
história,
É a segunda infância e o mero esquecimento,
Sem dentes, sem mais visão, sem gosto, sem
coisa alguma.
In As You Like It, Ato
II, Cena VII, em “The Complete Works of William Shakespeare”, editado por W. J.
Craig, M.A., Magpie Books, Londres, 1992, 1142 pp.
Tradução de Carlos Cardoso Aveline